“Viver não é consumir”. A frase é do filósofo Gilles Lipovetsky. Em seu livro “A felicidade paradoxal: ensaio sobre uma sociedade de hiperconsumo”, ele defende que vivemos em uma “civilização do desejo”, e que os “hiperconsumidores”, em sua busca constante de alcançar o bem-estar, são sempre levados à insegurança e ao medo, utilizando o consumo como um meio de driblar e vencer as tristezas e decepções. Dessa forma, acumulam produtos que representam a sua busca por aquilo que os fará feliz.
Indo de encontro a esse posicionamento de Lipovetsky, uma nova onda de consumo tem ganhado força com a web. É um tipo de comércio consciente e colaborativo, que figura-se como “inovação”, mas que remete aos primórdios da economia: pessoas trocando coisas. Ao invés de acumular itens e consumir exageradamente, os usuários dessa nova rede de consumo encontram formas sustentáveis de ter acesso àquilo que precisam. Eles emprestam, alugam ou trocam produtos e serviços com pessoas próximas ou até desconhecidas.
Rachel Botsman pesquisadora e autora do livro “What’s Mine is Yours: How Collaborative Consumption Is Changing The Way We Live”, fala sobre o crescimento desse consumo colaborativo. Ela estuda os comportamentos cooperativos e a mecânica da confiança inerente a esses sistemas. Botsman acredita que estamos migrando de “consumidores passivos” para “criadores” — colaboradores altamente capacitados. “O que está acontecendo é que a Internet está removendo o intermediário, tanto que qualquer um, desde um designer de camisas até um costureiro, pode sobreviver vendendo diretamente ao consumidor”, ressalta.
A pesquisadora destaca ainda que estamos saindo desse vazio do desperdício, e estamos dando um salto para criar um sistema mais sustentável. Para ela, é uma revolução da sociedade, em que encerramos o ciclo do consumo individual para redescobrirmos o bem coletivo.
Alguns exemplos de como funciona e do que essa nova economia pode representar:
Enjoados
Quem não tem um item em sua casa que já não usa mais? De roupas a celular ou artigos para o lar, o site Enjoei é uma plataforma na qual o usuário se cadastra e expõe o seus itens de enjoo pra quem tiver a fim de levá-los pra casa.
Compartilhar é mais divertido que comprar
“Um lugar mágico onde as pessoas compartilham coisas com seus amigos”. Esse é o Yerdle. Funciona assim: usuários postam itens que eles estão interessados em doar ou emprestar, enquanto outros podem procurar itens que precisam. A sua comunidade no Yerdle é baseada em sua rede Facebook. Tudo é doado ou emprestado de graça.
Generosidade simplificada
Ok, você está mesmo cheio de coisas que não usa. Que tal praticar o desapego e ainda fazer uma boa ação? E se pudesse se livrar do que é desnecessário e, ao mesmo tempo, ajudar comunidades carentes? Esse é o espírito do WebThriftStore. As pessoas doam itens para a venda e o valor da transação é repassado a instituições de caridade.
Quer saber mais sobre o tema e conhecer mais exemplos? Clique aqui e assista ao vídeo de Rachel Botsman em sua palestra no TED.
Nessa apresentação, Botsman fala sobre a importância que a reputação adquiriu nessa nova lógica de consumo colaborativo. A confiança é o principal catalizador de tudo isso. “No século XX, a invenção do crédito tradicional transformou o nosso sistema de consumo e de diversas formas controlou quem tinha acesso a quê. No século XXI, novas redes de confiança e o capital de reputação que geram vão reinventar a forma com que pensamos sobre riqueza, mercados, poder e identidade pessoal”.