Até duas semanas atrás, o tema em pauta no Brasil era a Copa das Confederações. Mas, dessa vez, o futebol ficou na reserva dos temas debatidos e entrou em campo um time que cansou de assistir o jogos dos bancos. Tudo começou com uma série de manifestações do Movimento Passe Livre, em São Paulo, pela redução da tarifa e melhora na qualidade do transporte público na cidade. Esse foi só o começo. Os protestos ganharam cada vez mais adeptos em várias cidades do país.
Mas o que aconteceu? Bom, se procurar nas mídias sociais, vai encontrar a seguinte resposta:
As hashtags mal chegaram no Facebook¹ e já saíram para as ruas. Nas mídias sociais, as mais utilizadas nas publicações sobre as manifestações mostram quais são as reivindicações e os chamados #Vemprarua #AcordaBrasil #ChangeBrazil #MudaBrasil #SemViolência #ProtestoBR #BastaCorrupção. Uma pesquisa realizada pela Folha² mostrou o que as hashtags já apontam: além da principal reivindicação, que é contra o aumento das passagens (56%), 40% dizem protestar contra a corrupção e 31% contra a repressão e violência da polícia.
Mas quem são esses gigantes?
Olhando imagens dos protestos, é possível perceber faixas etárias diversas — desde bebês até idosos. Porém, a maioria é composta por jovens. Além disso, tudo começou com os protestos dos estudantes. A história nos mostra que as grandes revoluções são mobilizadas pelos jovens de suas gerações³. E no momento, de qual geração estamos falando? Aí entra o Y da questão!
Há tempos, pesquisas apontavam os jovens da Geração Y⁴ como aqueles que buscam fazer o que gostam, não se contentam em ficar parados e que possuem uma mentalidade digital e senso colaborativo apurado. Porém, esse perfil do jovem estava direcionado ao ambiente de trabalho. Demoraria quanto tempo para esse mesmo jovem ir atrás do que acha certo, não se conformar, se mobilizar digitalmente e agir de forma coletiva também no âmbito político? As pistas de que algo estaria por vir já estavam nos dados.
Outro sinal de que as pessoas estavam e estão mudando, podemos ver no relatório “10 tendências de consumo cruciais para 2013⁵”. O estudo trouxe um panorama do perfil do consumidor atual, que tem cada vez mais voz ativa e participação no planejamento das ações das empresas. A pesquisa, elaborada pela Trendwatching, aponta tendências que deixam claro que as organizações deverão passar a provar e mostrar proativamente que não têm nada a esconder. Isso significa mais do que apenas fazer declarações sobre “valores” e “cultura”, mas assumir uma posição clara e direta com resultados concretos. Novamente, devemos pensar que consumidores são, antes de tudo, pessoas, cidadãos, e que essas características são levadas a diferentes níveis de suas vidas — não só na relação que têm com as marcas, mas também com o poder público.
Para entender melhor sobre o que estamos falando, é interessante assistir ao vídeo sobre a pesquisa “O sonho brasileiro”, que tem o objetivo de ouvir a primeira geração global de brasileiros, para entender seus valores, a forma como enxerga o país, os papéis que se propõe a desempenhar nele e os cenários futuros em que se vê atuando. A pesquisa vem traçando um perfil dos jovens atuais, que atuam por meio da hiperconectividade e agem em microrrevoluções, lutando por pequenas mudanças cotidianas:
Muitos comparam esses protestos no Brasil à Primavera Árabe, por conta da movimentação dos participantes por meio das redes sociais. Só que há outra coisa em comum. Na Primavera Árabe, aparentemente o estopim para o início dos protestos foi ato desesperado de Mohamed Bouazizi, um tunisiano que ateou fogo no próprio corpo para protestar contra as condições de vida no país. Já aqui no Brasil foram as manifestações em contra o aumento da passagem de ônibus.
Acontece que, antes mesmo do jovem atear fogo em si próprio, e do movimento do Passe Livre ir às ruas, as populações muçulmanas e brasileiras já apontavam um descontentamento coletivo. O desespero do corpo em chamas e os 20 centavos a mais foram a gota que faltava⁶.
Remix revolucionário
Lembra que abordamos em um post aqui no blog como a “cultura remix” vem mudando a forma como produzimos e compartilhamos conhecimento e conteúdo? No texto, falamos que “hoje em dia, qualquer um pode ser remixador, transformando não só música, mas também fotos, vídeos e diversas outras plataformas de mídia e manifestações artísticas” e, agora, seria interessante completar a frase com “… manifestações artísticas e políticas”.
Os protestos recentes são embalados por frases de campanhas publicitárias remixadas. #OGiganteAcordou, mas já tínhamos visto o gigante acordar antes em uma campanha da Johnnie Walker. A música da propaganda da Fiat⁷ virou praticamente o hino do movimento. “Vem para a rua, porque a rua é a maior arquibancada do Brasil” deixou de se referir às pessoas comemorando a Copa, para ser um chamado, convocando todos os brasileiros a entrarem em cena nas manifestações.
https://youtu.be/5qnLLuywbFc
E ainda teve “A Revolta do Vinagre”. Alguns manifestantes utilizavam vinagre com o intuito de inibir o efeito das bombas de gás lacrimogêneo utilizadas pela polícia em alguns protestos. Em certos dias, houve prisão de pessoas por conta do “porte do vinagre”. A polícia justificou que, em meio a tanta tensão, o motivo da apreensão do ácido utilizado na salada foi verificar a real composição do líquido. Na internet, o caso repercutiu em remixes de diversas formas: rendeu a criação de um jogo — o V de Vinagre (baseado no personagem do filme V de Vingança) — além de diversos memes⁸.
Movidos pela web
Contrariando a música, talvez a rua não seja a maior arquibancada do Brasil, e sim a internet. Especificamente as mídias sociais. Entre os dias 1º e 19 de junho, os protestos geraram por volta de 219 mil menções nas redes. Mais de 145 mil pessoas publicaram sobre as manifestações, impactando 200 milhões de usuários. Segundo uma pesquisa Ibope⁹, 78% dos manifestantes disseram que se organizaram para ir à passeata pelas redes sociais. O Twitter foi a rede mais utilizada para citar as manifestações (69,1%), seguido pelo Facebook (24,8%), Google + ( 5,9%) e por blogs (0,2%).
Além dos grupos se organizarem pela web, é também nessas redes que acontece a cobertura dos acontecimentos. A divulgação dos protestos realizada por grupos de jornalismo da mídia tradicional foi rejeitada pela geração web¹⁰. A mensagem é clara: as velhas práticas de comunicação em massa precisam se adaptar. A era da colaboração em rede também tem influência no jornalismo. Essa cobertura específica feita pelos próprios participantes já tem até nome próprio: grupo de mídia N.I.N.J.A¹¹ (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação).
Veja no vídeo abaixo qual foi e tem sido o papel das redes sociais nas manifestações — no sentido de informar e também atuando como catalisador do movimento.
Reforçando a importância dessa divulgação independente, uma ação em Florianópolis levou a internet aonde quer que os manifestantes fossem. A “Revolta da Antena¹²” foi um projeto criado por estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) para oferecer conexão de internet rápida aos participantes dos protestos. Para que a Revolta da Antena desse certo, foi solicitado que os moradores e donos de estabelecimentos comerciais da capital catarinense deixassem suas redes Wi-Fi abertas, sem senha. Assim, a rede criada pelo grupo pega esse sinal e transmite entre os roteadores, ampliando o alcance da rede. “Quando um roteador tem internet, todos têm. Eles passam o sinal de um para outro. A gente vai fazer uma malha de rede sem fio”, explica o Paulo de Souza Geyer, um dos idealizadores do projeto. Rolou até oficina para orientar o pessoal sobre o que fazer. Tudo organizada pelas redes, claro.
Sofativismo
Em uma entrevista para o blog LINK¹³, Pierre Levy fala sobre o conceito de ciberdemocracia, em que as ferramentas digitais possibilitarão aos cidadãos um maior conhecimento sobre o país, Estado, município e comunidade onde vivem e exigirão das esferas de governo transparência nas contas e nas relações políticas. Opa! Será que é isso que está acontecendo?
Há tempos, as manifestações na web têm sido alvo de crítica e ganharam um termo, o sofativismo (ativismo de sofá), que em inglês tem um tom ainda mais pesado “slacktivism” (ativismo preguiçoso). Para Lévy, o sofativismo é uma forma alternativa para o cidadão fazer o mesmo que o ativista tradicional, mas dispondo de ferramentas digitais. Na prática, o sofativismo ajuda a manter as pessoas informadas sobre os diferentes pontos de vista e, assim, a definirem posições sobre temas importantes.
Mas agora, mesmo depois do ativismo on-line ter ido às ruas, é que a web continua a representar um papel importante no andamento dos protestos. Mais que bandeiras ou proposta, os cartazes que vimos e os gritos que ouvimos de “basta corrupção”, “fora Dilma”, “menos estádios, mais escolas”, entre outros, formam a base das discussões e aprofundamentos na mesma internet que te fez sair do sofá.
Mas para onde vamos?
O psicanalista Christian Dunker afirma que as manifestações contra o aumento da tarifa no transporte público que, em duas semanas, mobilizaram centenas de milhares de pessoas não mudaram o mundo, mas transformaram a “imaginação política” de quem saiu às ruas. “Todos vão voltar para casa, continuar sua vida, com seu ônibus precário, com a polícia violenta. Isso não precisa ser interpretado como fracasso do movimento. Isso tudo vai voltar a acontecer, mas não somos mais quem éramos antes. Viver com essa possibilidade de mudança é diferente de viver com a ideia de que isso vai sempre continuar existindo”, afirmou. O psicanalista afirma que a novidade da mobilização foi o fato de uma demanda simples como a redução dos R$ 0,20 ter conseguido “albergar dentro de si um mal-estar que estava flutuante”, representando uma força simbólica que não havia sido vista no Brasil. “A gente não sabe o que vai acontecer a partir dessa transformação, que foi uma transformação dos meios, não dos fins, porque a pauta do transporte é conhecida, é antiga”.
Agora que levantamos do sofá, qual é o caminho? Bom, se no início o objetivo era claro — reduzir a tarifa e melhorar a qualidade do transporte público — já não há quem saiba responder ao certo pelo que está protestando a massa heterogênea que vaga nas ruas de todo o Brasil. Talvez o caminho não seja um objetivo, uma mudança específica. As pessoas levaram seu sofá para as praças e estão bradando que querem mudanças. Mas quais mudanças? São tantas reivindicações… O certo é que uma mudança já ficou clara: a mudança de atitude da própria população.
Clique na imagem abaixo e vejo o infográfico com algumas das principais reivindicações:
E se quiser acompanhar as reivindicações por meio do rastreamento das palavras-chaves nas redes sociais, pode acompanhar pelo site #CAUSABRASIL¹⁴.
¹ Techtudo
² Folha
³ Unesco
⁴ YouTube
⁶ Abril
⁷ YouTube
⁸ Veja
⁹ G1
¹⁰ YouTube
¹¹ Folha
¹² Facebook
¹³ Estadão
¹⁴ Causa Brasil
Tópicos: