A xilogravura é uma técnica em que é realizado um trabalho de entalhe em madeira, deixando em alto relevo o desenho que se pretende reproduzir. Essas partes recebem uma tinta e transferem a imagem para outro suporte; geralmente o papel. É como um carimbo. Com a xilogravura, o desenho tornou-se pela primeira vez tecnicamente reprodutível. No final do século XVII surgiu a litografia, impressão em pedra utilizando materiais gordurosos (lápis, bastão, pasta etc.) e, no inicio do século XIX, a litografia desenvolveu a estampa em chapa de cobre.
Há quem diga que, atualmente, uma das técnicas mais utilizadas para a reprodução artística envolve quatro etapas: ctrl; c; ctrl; v. Exagero?
Vamos com calma, bem antes do surgimento do teclado e de suas teclas mágicas, quando a litografia estava em seus primórdios, ela foi ultrapassada pela fotografia. Walter Benjamin, em seu texto “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, destaca: “Pela primeira vez no processo de reprodução da imagem, a mão foi liberada das responsabilidades artísticas mais importantes, que agora cabiam unicamente ao olho”. Dessa forma, o processo de reprodução das imagens teve um desenvolvimento tão grande que começou a situar-se no mesmo nível que a palavra oral. Thomas Edison também tem um papel importante para o desenvolvimento da reprodução artística tal como conhecemos hoje. Além de ser o responsável pela luz que ilumina sua sala neste instante, também foi o inventor do fonógrafo, o primeiro gravador de som da história. Para registrar esse momento, ele escolheu o clássico “Mary tem uma ovelhinha”.
Porque os processos de reprodução se desenvolveram tanto é que conseguimos ver esse momento histórico registrado no YouTube. Ele próprio (o YouTube) é a melhor síntese das possibilidades e da proporção que essas técnicas de replicação artística alcançaram. A cada segundo, uma hora de vídeo é publicada no YouTube. Mais vídeos foram enviados para o YouTube em um mês do que a quantidade de vídeos produzidos pelas três principais emissoras dos EUA em 60 anos. Fica difícil imaginar que tudo isso começou com um entalhe em madeira. O texto de Walter Benjamin foi publicado em 1955, cerca de 35 anos antes do surgimento da internet, e quase 50 anos antes da web 2.0. Na verdade, tudo mudou a partir do momento em que foi possível traduzir qualquer documento em zeros e uns. O processo de digitalização pode ser considerado como uma das maiores transformações para a disseminação artística e cultural. A partir daí, e da possibilidade de transmissão de dados por uma rede mundial de computadores, um quadro de Van Gogh, uma música de Mozart ou uma escultura de Salvador Dalí conseguiriam percorrer o globo terrestre a partir de alguns cliques.
Em tempos de viralização e memes, o texto de Benjamin traz a tona uma questão interessante a ser discutida. Para o autor, “mesmo na reprodução mais perfeita, um elemento está ausente: o aqui e agora da obra de arte, sua existência única, no lugar em que ela se encontra. E nessa existência única, e somente nela, que se desdobra à história da obra”. Para ele, a reprodutibilidade técnica atrofia a “aura” da obra, que é aquela experiência única do momento de sua concepção. Mas Benjamin não era totalmente contra a reprodução técnica em si, ele considerava que ela poderia ter o papel de intensificar determinados aspectos da obra original: “Ela pode, por exemplo, pela fotografia, acentuar certos aspectos do original, acessíveis à objetiva — ajustável e capaz de selecionar arbitrariamente o seu ângulo de observação, mas não acessíveis ao olhar humano. Ela pode, também, graças a procedimentos como a ampliação ou a câmera lenta, fixar imagens que fogem inteiramente à ótica natural. Em segundo lugar, a reprodução técnica pode colocar a cópia do original em situações impossíveis para o próprio original. Ela pode, principalmente, aproximar do indivíduo a obra. A catedral abandona seu lugar para instalar-se no estúdio de um amador; o coro, executado numa sala ou ao ar livre, pode ser ouvido num quarto”. Ou então a Capela Sistina pode ser apreciada no seu computador e você pode dar uma voltinha na Basílica de São Pedro sem sair de sua cama.
Um exemplo de como a tecnologia pode aproximar a arte das pessoas e enriquecer as experiências é o Google Art Project, um site mantido pelo Google em colaboração com museus espalhados por diversos países. É possível realizar visitas virtuais gratuitas a algumas das maiores galerias de arte do mundo, visualizando imagens em alta resolução de obras selecionadas de cada museu.
[Caso não visualize o vídeo abaixo, clique aqui.]
Benjamin acreditava que a autenticidade é o que há de mais valioso nas produções artísticas. “Mesmo que essas novas circunstâncias deixem intacto o conteúdo da obra de arte, elas desvalorizam, de qualquer modo, o seu aqui e agora. Embora esse fenômeno não seja exclusivo da obra de arte, podendo ocorrer, por exemplo, numa paisagem, que aparece num filme aos olhos do espectador, ele afeta a obra de arte em um núcleo especialmente sensível que não existe num objeto da natureza: sua autenticidade”, destaca o autor.
Acredito que é um bom ponto de partida para refletir sobre a produção e reprodução cultural da atualidade. As tecnologias evoluíram de tal forma nesse sentido, que as possibilidades de expressão estão acessíveis por onde quer que a gente vá. É só tirar o celular do bolso e captar a “aura” do momento. A técnica para produzir e reproduzir também se desenvolveu de maneira drástica. Exemplo disso é que todos podem editar materiais audiovisuais a partir de softwares gratuitos disponíveis na web, ou ainda soltar sua inspiração artística na tela do Ipad.
Estamos tão mal acostumados com a liberdade que o botão “compartilhar” proporciona, que não conseguimos imaginar a possibilidade de isso não existir. O grande diferencial da reprodutibilidade técnica atual é que, mais do que reproduzir, houve grande evolução nas adaptações. Isso é uma das características mais fortes da web 2.0. As pessoas não apenas consomem conteúdos, elas interpretam, apropriam-se e, a partir da informação “original”, somada às suas experiências, criam suas próprias formas de manifestação. O motivo de a palavra original estar entre aspas, é que muitas vezes fica difícil distinguir o que é realmente original. Pode ser uma versão original feita a partir da adaptação de uma cópia. A arte participa ativamente (mesmo que não intencionalmente) desse emaranhado de informações no qual estamos inseridos. É impossível conceber a realização de produções artísticas sem levar em conta o ambiente digital, e todos os efeitos que ele tem não só na disseminação como também na apreciação da obra pelo público.
[Caso não visualize o vídeo abaixo, clique aqui.]