A resolução de “ler mais” é, talvez, uma das mais populares quando se fala em promessas para o ano que começa. Teoricamente é simples. Não há necessidade de ferramentas complexas ou conhecimentos inacessíveis. Na prática, os espaços de tempo no dia a dia são cada vez mais competitivos para o excesso de tarefas que nos cercam e nos seguem. A era digital trouxe um infinito de facilidades, a internet nos aproximou do resto do mundo, colocou à nossa disposição uma quantidade de conhecimentos e informações tão imensa que, por termos as respostas para quase tudo à mão, não conseguimos as respostas para muita coisa. A distração é um dos grandes problemas do mundo moderno. Se até apaixonados pela leitura se vêm numa rotina bem diferente da rotina de dez, quinze anos atrás, imagina quem já tinha dificuldade de se concentrar e pegar um livro antes da distração da “internet sempre à mão”.
Mark Zuckerberg, CEO e fundador do Facebook, publicou um post no seu próprio perfil no dia 3 de janeiro exatamente com a resolução de ler mais. O projeto pessoal, porém, traz algumas especificidades notáveis. Segundo ele, a ideia surgiu com a combinação de algumas sugestões de resoluções para 2015. Um amigo sugeriu aprender sobre uma nova cultura do mundo a cada semana, outra sugeriu terminar um livro por mês, outros tantos seguidores indicaram até ler a Bíblia.
Eis que surgiu a ideia de ler um livro a cada duas semanas e gerar discussão sobre o mesmo. Mark criou então a página A Year Of Books (Um ano de livros), onde ele mesmo vai postar as informações sobre cada obra que começar e deixar o espaço de comentários aberto para a troca de ideias. Os comentários serão moderados, dando-se preferência apenas aos de quem leu e aos que realmente agreguem conteúdo para o debate. Ele também especificou que a ênfase é aprender sobre diferentes culturas, crenças, histórias e tecnologias.
A página, que pode ser definida como o maior clube do livro do mundo, já possui mais de 220 mil curtidas e foi elogiadíssima em diversos blogs e colunas internacionalmente. A importância da leitura foi um dos temas mais trazidos à tona.
Exercitando a massa cinzenta
A neurociência divulgou nos últimos anos, muitas pesquisas feitas em várias universidades ao redor do planeta. Algumas delas mostram como a internet e outras características da atual revolução digital estão modificando a maneira de funcionamento cerebral.
Nicholas Carr, vencedor do prêmio Pulitzer, publicou em 2010 o livro Os Superficiais: O que a internet está fazendo com nossos cérebros. Em agosto do mesmo ano, Carr problematizou o tema em um artigo no jornal britânico The Telegraph intitulado: Como a internet está nos fazendo mais estúpidos. Depois de alguns anos estudando as pesquisas, trouxe dados e perspectivas que devem servir de alerta. Os exercícios a que submetemos os nossos neurônios diariamente moldam a longo prazo a maneira como eles funcionam, fortalecendo certas características em detrimento de outras.
Se por um lado o mundo informacional evoluiu nossa capacidade de multitarefa e atenção a distintas atividades simultaneamente, essa atenção se tornou mais superficial. Quem passa tempo demais submetido a isso, tem maiores dificuldades de absorver textos e ideias mais complexas. A busca deve ser pelo equilíbrio e a leitura é a ferramenta perfeita para balancear nossa concentração.
Zuckerberg, quando postou a ideia, se disse excitado para o desafio e acrescentou: “Livros permitem explorar totalmente um tópico e mergulhar de maneira mais profunda do que a maioria dos meios de comunicação hoje em dia. Estou ansioso por mudar minha dieta de mídia em direção à leitura…”
O hábito é extremamente saudável e além do indiscutível conhecimento adquirido, traz benefícios como a melhoria da escrita e enriquecimento do vocabulário. Pesquisadores da universidade de Emory, nos Estados Unidos, descobriram ano passado que ler muito pode inclusive mudar a estrutura cognitiva. É como um exercício para a nossa massa cinzenta, um entretenimento viciante. Qualquer leitor assíduo há de concordar que, quanto mais se lê, mais se tem vontade. O desenvolvimento de senso crítico e de novas ideias se torna natural e nos propicia diferentes perspectivas sobre qualquer tema que nos interesse.
O primeiro livro sugerido no A Year Of Books foi “O Fim do Poder”, do escritor e colunista político venezuelano Moisés Naím, que fala sobre as mudanças no atual mundo globalizado, onde cada vez mais as pessoas comuns estão conquistando poderes antes exclusivos das grandes organizações. Poucas horas depois do post, o livro estava esgotado na Amazon americana e a versão em áudio subiu para a primeira posição dos audiobooks mais de não ficção vendidos no iTunes.
O próprio autor, no twitter, agradeceu Mark Zuckerberg pelo “marketing indireto”.
Delighted to see that audiobook of The End of Power is the #1 non-fiction bestseller in the iTunes store! Thank you Mark Zuckerberg.
Delighted to see that audiobook of The End of Power is the #1 non-fiction bestseller in the iTunes store! Thank you Mark Zuckerberg.
— Moisés Naím (@MoisesNaim) January 5, 2015
A página é aberta. Qualquer um pode curtir e entrar na discussão. O livro está à venda no Brasil em formato físico e digital. Vale lembrar, porém, que o debate na fanpage é em inglês. Mas isso não deve servir de desculpa ou impedimento. Não tem por que não iniciar um debate à sua própria maneira. A melhor coisa dos bons exemplos é que eles podem ser seguidos e adaptados.
É importante também perceber o lado bom da quantidade de informação à nossa disposição online. A internet, afinal, é ainda muito nova. Adaptação é a palavra-chave e nós continuamos evoluindo. O clube do livro proposto por Zuckerberg é um excelente exemplo de como nós podemos lidar de forma saudável com a profusão informacional dos dias de hoje. A história está cheia de exemplos de como a evolução das mídias acrescenta novas maneiras de se ler, ouvir ou assistir a obras produzidas. E cada vez mais esse mundo conectado está, literalmente, nas nossas mãos.